EU!

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Sem café não existo!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

MEMÓRIAS DE UMA MANHÃ NA MINHA CIDADE
























Sentado num banco do parque infantil da cidade, olhava as folhas amarelecidas que caiam para o chão. Folhas despidas, nuas pisadas por todos, caiam aqui e além e atapetavam o solo húmido do inverno. Folhas que outrora foram vida, eram agora a fraqueza nua e esquecida da rua, a natureza em desmando.

As crianças brincavam pelo parque, como folhas verdes ainda nas árvores, espezinhavam, sem se aperceberem, as folhas moribundas. O vento frio vindo do norte criava remoinhos de folhas inertes e levianas. Eram levadas e trazidas por qualquer imprevisto e leve sopro do vento.

Passavam diante os meus olhos e na minha mente surgiram os acontecimentos que foram trazidos e levados por uma qualquer brisa de momento.

Como eram contraditórios os dias, ali estava eu sentado e calmo, sem os remoinhos dos problemas do dia-a-dia do trabalho quando todos os dias repetia o mesmo. Levantava-me cedo, tomava o café e para o trabalho ia a andar. Ouvia um cliente, outro tinha de ouvir e quando vinha o último, o cansaço era maior, mais era o desejo de gritar:

- Alto! Por favor, não posso mais, estou confuso, sinto-me louco, tornei-me na máquina perfeita que se adapta em cada competição, encontrando sempre a melhor manipulação das fraquezas dos outros!

Por fim, após longas horas de trabalho de dia, chegava alguma paz. Voltavam para mim os momentos adorados que ligeiramente se desfaziam, consumidos no olhar das estrelas e do luar. Tudo brilhava na noite, como o sol das manhas belas e puras. Era Verão.

Mas ali, diante de mim brincavam as crianças com os pais. Pouco a pouco, folhas e pessoas confundiam-se. Tornava-se já difícil distinguir qual era umas e outras. Também que importa? Todas eram levadas pelo vento. E neste momento esquecia que vivia neste mundo, mas quando tudo, devido ao tempo, se esvai, ele recaia sobre mim como um turbilhão de folhas em peso de aço, esmagando os meus pensamentos. Era chegada a hora de ter que me ir embora, não podia continuar mais ali. A fantasia tornava-se realidade.

Desperto com os ruídos da madrugada, é um carro, é uma mota, é um grito desvairado, e ao longe ouve-se uma criança que chora. O ruído quebra-me os tímpanos, rasga-me os ossos…

Era o começo de mais um dia, repetia a tarefa do dia anterior. Fui visitar o meu banco do parque, ele ali estava, sozinho, como quem chamava por mim. Não me pareceu triste por passar a noite só, a respirar o frio, mas senti que ficou mais feliz por eu estar ali a fazer-lhe companhia, pois a sua madeira aquecia. Era ainda manhã cedo, no outro lado do parque, para além da vedação, havia uma paragem de autocarros, os meus olhos instintivamente olharam naquela direcção e ali vi pessoas que esperavam o seu transporte.

Eram pessoas que sofrem e choram, pessoas que riem e amam, miúdos que estão a caminho da escola e, assim como eu tinha que aturar os meus clientes, eles ouvem um professor e outro têm de ouvir... duas mulheres cochichavam a vida de outros. Havia também um homem de pé, encostado a trave da paragem com o jornal da manhã, consegui ler, as letras eram bastantes grandes: «A CRISE QUE O PAIS ATRAVESSA», ao lado de uma notícia de sorte de quem ganhou: «EUROMILHÕES SAI NA FRANÇA».


A vida é um jogo de sorte e azar. Haverá sempre quem leve a vida a rir outros a chorar… Os miúdos, uns serão engenheiros, médicos, doutores… outros carpinteiros, electricistas… ou quem sabe sem abrigo por ai… E é assim que a vida aparenta avançar!

Foi, então, que voltou o mistério enigmático desta manhã, quando me relembrei que estava de novo desempregado, nada me tinha valido toda a experiência de trabalho que bem cedo comecei a ter, nem os estudos na universidade que mais tarde, só quando tive possibilidades económicas, fui fazer. Tudo me parecia uma mentira, cada dia que passava, mais me dava conta de que a vida humana é despida de sentido, se não for vivida sonhando, não interessa o modo, mas sim a intensidade com que a sentimos os nossos sonhos.

Mas nem os sonhos me tiram esta depressão que me atira para este sofrimento intenso invisível aos dias, apenas estes momentos perpetuam o meu sentir. Compreendo agora que a tristeza é inimiga da vida, da alegria, mas é a melhor companheira para o sentir profundo dos sentimentos dentro do nosso silêncio.

Esperem! Além, mais ao longe, está um homem parecendo sem graça, mal vestido, harmónica na boca e um pau na outra mão faz vibrar as grades da sarjeta da rua num som de harmonia, parece estar alheio a tudo, só com o seu mundo… Fiquei com este mistério desta manhã, com que olhar esgazeado se delicia… Ele urge viver intensamente as sensações que a vida no momento lhe pode dar…

Até que o autocarro chega, leva toda a gente dali. Ficou apenas o velho mal-encarado com a sua música e o som dos carros que ali passavam na estrada que traziam homens bem-parecidos, de gravata, e mulheres bem vestidas, belas e bem-parecidas, como quem chama por um amante, lá iam eles, típico português, apenas um dentro de cada carro na direcção aos seus empregos. Selva, que eu tão bem conhecia, todos iam bem treinados para serem melhor que os outros, para vencer. Uma luta, se necessária, contra tudo e contra todos para alcançar um lugar para um status importante na sociedade e estabilidade económica para a família, às vezes, sabe-se lá a troco de quê!

Na verdade também existirão aqueles que a força de trabalhar entrou sem lhes pedir licença. Há a obrigação de ir trabalhar, calados, não vá o diabo tece-las e ainda serem despedidos, pois existem os filhos para criar, um futuro para dar, sem tão pouco questionarem os seus dias. Apenas alguns sonhos que podem surgir quando se vê a novela da noite ou tentar enganar a realidade na ficção de um baralho de cartas com os amigos no bar do costume.

Por aquela altura pensei: deveria ter uma harmónica e um pau na mão para tocar sarjeta, estaria feliz e talvez passasse por ali um turista, achasse graça, e levasse-me como ele dentro da máquina fotográfica.

De volta ao meu parque, à medida que se aproximava as horas do começo da escola e da entrada nos empregos, iam, pouco a pouco, desaparecendo os rostos conformados, e ali ficava eu e o meu banco, agora com as folhas mais calmas, as poucas que existiam pareciam brincar umas com as outras aos pais e aos filhos nas casitas, baloiços e túneis vazios. Não havia crianças, elas estavam no jardim-escola e seus pais no trabalho. Era este rumo e educação que as pessoas da minha cidade tomavam dia após dia, como se a vida nunca fosse acabar, como se uma folha nunca fosse cair.

Havia uma convicção natural ou artificial de serem felizes, por um momento, o parque infantil, torna-se o palco da vida, onde eu, sentado num banco, na plateia olhava a vida, em que, em dias de vento, as folhas mortas vinham para me distrair da peça que estava a ser representada.

E a minha cidade vive com estas regras, ninguém se atreve a quebra-las, parar, dizer chega.

Esta é a minha cidade, como a tua, a deles, as vossas cidades, onde tu vês, eles vêem essas pessoas, e eu aqui neste banco fiquei com a ilusão criada pelas folhas da vida, que foram já folhas gritantes, algumas de rebentos clandestinos, violências das raízes que brotam da terra para mais alto apanharem o sol, folhas que um dia a saudade esquece e morrem de espasmo. Elas fazem sombra no meu pensar, vida no meu olhar e luz no meu pincel a tentar criar a natureza numa tela e, aqui só, fico com a solidão que eu não tenho a certeza se é alegria ou tristeza.

Estou sonhando, não, não estou, o sol esconde-se atrás das nuvens, mas já vai alto, a manhã já começou e é sempre assim, após uma noite acordamos sempre convictos que de manhã, outro dia, haverá sempre luz. Será difícil imaginar como nos sentiríamos se numa manhã dessas acordássemos e não víssemos a sempre esperada luz do dia, nem pensamos nisso! E assim sou eu, sempre uma manhã após uma noite, e, por mais que eu queira, eu não posso escolher, tal como as manhãs e as folhas da vida... embora a minha seja somente minha.

1 comentário:

  1. Jorge Oliveira, encontrei por acaso este nome , estes blogs, devo dizer que fiquei encantada com tudo o que li, parabéns pelo talento bem aproveitado e assim exteriorizar todos estes belos sentimentos ...,
    Cecília Rodrigues

    www.cecypoemas.com

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